Vitrine Temática

 
Vitrine 9 - ILUMINAÇÃO ARTIFICIAL
(20/12/2012 - 01/03/2013)



OS COMBUSTÍVEIS
Da pré-história à Revolução Industrial, os óleos produzidos a partir de vegetais e animais foram as principais fontes de energia para iluminação. A escolha do tipo de óleo variou de acordo com a disponibilidade de materiais em cada região. As cidades do litoral do sul do Brasil, pelo fato de estarem próximas às rotas migratórias de baleias, empregaram o óleo desses animais como combustível para iluminação pública e doméstica.  Grandes armações – fábricas de derivados de baleia - se formaram nos litorais da Bahia, do Rio de Janeiro e de Santa Catarina. Sua produção era comercializada para diversos pontos do Brasil.
No Maranhão, há registros do uso da gordura do peixe-boi, no início dos tempos coloniais. Mais tarde, o óleo de mamona tornou-se o combustível mais utilizado, dada a abundância da planta na região. Famílias mais ricas preferiam usar óleo de gergelim ou de oliva – este último importado – por conta de proporcionarem chamas mais brilhantes e por produzirem menos fumaça.
Usou-se também o álcool na iluminação pública de São Luís, a partir de 1854. Na cidade de Pinheiro e em outras áreas da Baixada Maranhense, obtinha-se óleo para iluminação a partir de pequenos peixes chamados piabas, que apareciam em grandes cardumes em determinadas épocas do ano. Na região de São Paulo o mesmo foi feito com os lambaris. Não se pode esquecer do uso, em todo o Brasil, da gordura de bovinos, chamada sebo, que era empregada na fabricação de velas. A cera produzida por abelhas também serviu para fabricar velas, mas a extração desordenada provocou o desaparecimento do produto das áreas próximas às vilas e cidades.
No final do século 19, por conta do desenvolvimento da indústria química, surgiram novos combustíveis que substituíram os antigos. O mais popular deles, o querosene, alimentou as lamparinas e lampiões até a chegada da energia elétrica.
 OS EQUIPAMENTOS
A forma e o princípio de funcionamento dos equipamentos empregados na iluminação mudou pouco até o século 18. A lamparina pré-histórica encontrada na Gruta de Lascaux, na França, funciona da mesma forma que as lâmpadas orientais da Idade Média, assim como se assemelha aos candeeiros empregados nas casas dos colonos dos três primeiros séculos de história do Brasil.
São formados por um reservatório que contém o combustível e um orifício onde se ateia o fogo; emprega-se um pavio para conduzir o combustível do reservatório à área externa do equipamento. As variações ficam por conta da matéria-prima empregada na confecção do objeto (barro, pedra, ferro etc.) e na forma como são decorados.
Os candelabros e castiçais que amparavam velas eram feitos de materiais diversos. Nas casas mais nobres, existiam candelabros de bronze e prata.  
No século 19, com a Revolução Industrial, aparecem equipamentos sofisticados, como os lampiões a querosene e as luminárias que, além de serem ricamente decorados, permitiam a regulagem da intensidade da chama; guarnecidos de mangas de vidro, podiam ser usados em áreas abertas, pois não temiam o vento. Os lampiões fabricados industrialmente, como os da marca Coleman (EUA) e Petromax (Alemanha), permanecem em uso até os dias de hoje, servindo a pescadores, campistas e caçadores.
 ILUMINAÇÃO PÚBLICA
A Iluminação artificial dos espaços públicos iniciou-se no século 18 no Brasil. A cidade do Rio de Janeiro, então capital do Reino, foi a primeira a contar com o serviço, que surgiu no ano de 1794. Para custear a manutenção do sisitema, o governo do Rio cobrava impostos especiais de todos os estados do Brasil.
No Maranhão, o serviço de iluminação pública começou em 1825, por meio da instalação de lampiões abastecidos com óleo de mamona. Em 1854, passou-se a empregar o álcool como combustível.
Esse sistema de iluminação era bastante criticado pela população, que se queixava do número pequeno e da falta de manutenção adequada dos lampiões. Devido à fuligem que se impregnava nos vidros, a luminosidade ficava ainda mais baixa.
Por volta de 1863 a capital do Maranhão passou a ser iluminada por combustores a gás. Tal sistema exigia a existência de uma fábrica, o gasômetro, que destilava gás de carvão mineral – produto importado da Europa - e o distribuía pelos postes através de tubulações subterrâneas. Em 1924 São Luís passou a ser servida com energia elétrica.
Na cidade de Alcântara, o sistema de iluminação pública foi inaugurado em 1846, com a instalação de 20 lampiões movidos a óleo de mamona. O sistema só seria substituído em 1951, quando se introduziu na cidade um gerador de energia elétrica. A máquina funcionava precariamente, e foi somente a partir do final da década de 1980 que a cidade passou a ser abastecida regularmente com energia elétrica.

Referências Bibliográficas

CAIRES, Daniel Rincon. LUZES DA MODERNIDADE: Aspectos da história da Iluminação pública e privada de São Luís e Alcântara. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, edição número 39, Dezembro de 2011.

FERREIRA, Milton Martins. A Evolução da Iluminação na Cidade do Rio de Janeiro – Contribuições Tecnológicas. Rio de Janeiro: Synergia/Light, 2009.

FRÓES DA SILVA, Lourenço Lustosa. Iluminação Pública no Brasil: Aspectos Energéticos e Institucionais. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2006.

MENDES, Sylvânio Aguiar. Saindo dos Trilhos: Uma Visão sobre a Administração do Transporte Elétrico Ludovicense. In: Revista Outros Tempos, volume 2, nº 2, 2005. p. 167-187.

RIBEIRO, Alda. Combustíveis empregados nos sistemas primitivos de iluminação no Brasil. In: ELLIIS, Myriam. Museu da Casa Brasileira – vol. 4. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, s/d. pp. 45 - 58
ROCHE, Daniel. História das Coisas Banais – nascimento do consumo séc. XVII - XIX. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
 

 

Vitrine 8 - EQUIPAMENTOS INDÍGENAS DA CASA MARANHENSE (01/11/2012 - 01/01/2013)


Sábio trabalhando em seu gabinete - Debret, 1827.

Sérgio Buarque de Holanda, num clássico e pioneiro estudo sobre a cultura material paulista do período colonial, apontou um traço essencial da colonização brasileira: o abandono de muitos costumes originais e a assimilação, por parte dos europeus adventícios, de elementos indígenas. Nestas épocas iniciais, disse o historiador, o “verdadeiro manancial de energias ativas” não estava “nos costumes mais policiados e sem dúvida mais suaves, que se iam implantando no litoral”, mas sim “certamente nessa incorporação necessária de numerosos traços da vida do gentio, enquanto não fosse possível uma comunidade civil bem composta, segundo os moldes europeus”. Os colonos brancos, enfim, adotaram “em larga escala os recursos e táticas indígenas de aproveitamento do mundo animal e vegetal para a aquisição de meios de subsistência”. Ainda que se refiram com maior ênfase ao caso do planalto paulista e seus “sertões”, as obervações de Holanda servem também para a análise do caso maranhense. Maranhão e São Paulo dos Seiscentos e de boa parte dos Setecentos compartilham uma característica comum: a pequena comunicação com o comércio Atlântico. São Paulo por motivos óbvios, pela localização geográfica prejudicada – além de muito ao sul, muito a oeste e, pior, muito acima do nível do mar, separado dos portos pelos paredões da Serra do Mar. O Maranhão, apesar da proximidade geográfica com a Metrópole, foi esquecido, tardiamente anexado ao território português e, antes das Reformas Pombalinas, pouquíssimo visitado pelos navios comerciais: os cronistas locais não se cansam de apontar que, até a fundação da Companhia, o movimento no porto de São Luís era quase nulo. Esse isolamento, e a consequente debilidade da expressão comercial, fez com que paulistas e maranhenses se voltassem para dentro de seus territórios e que dependessem, com muita ênfase, dos produtos, técnicas, objetos e soluções locais para os problemas de subsistência. Essas forças condicionantes deixaram vestígios materiais na cultura dessas regiões: a adoção de soluções locais implica no emprego de um vasto conjunto de objetos, equipamentos auxiliares desses costumes. Nesta edição do Projeto Vitrine Temática observaremos alguns desses vestígios das culturas indígenas presentes na casa maranhense, buscando a expressão material do hibridismo que é marca da cultura brasileira.

Referências Bibliográficas 

CASCUDO, Luís da Câmara. História da Alimentação no Brasil. São Paulo: Global, 2011.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e Fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

 
LEMOS, Carlos A. C. Cozinhas, etc. São Paulo, Perspectiva, 1978.
 



Vitrine 7 - História das Armas (06-09-2012 - 01-11-2012)

A 7ª edição do Projeto Vitrine Temática observa as transformações tecnológicas das armas e de suas formas de utilização ao longo do tempo. O projeto procura entender as mudanças culturais que acompanharam a evolução das armas: de espadas e armaduras, que eram extensões do corpo do guerreiro, otimizando suas capacidades físicas, valorizando-o individualmente, passa-se às armas de fogo, que marcam a ascensão dos processos industriais e inauguram de um novo padrão de organização bélica, amparado na massa disciplinada. Finalmente, chegamos às armas de destruição em massa que marcaram as grandes guerras do século XX, momento em que o ato de matar torna-se tão impessoal quanto o apertar de um botão. O projeto coloca em evidência um conjunto de armas de fogo e munições do início do século XX, que pertenceram ao comerciante e tenente-coronel Antonino da Silva Guimarães, e um florete do final do século XIX, herança de família pertencente a uma moradora da cidade de Alcântara, D. Ernestina Ruth Fortes Bouéres.
 Referência Bibliográfica

CARVALHO, Vânia Carneiro de. A história das armas ou a história nas armas?. In: MENESES, Ulpiano T. Bezerra de (Org.). Como explorar um museu histórico.  São Paulo: Museu Paulista, 2000. p. 11 – 14.

Vitrine 6 - Concepções de Limpeza (22-06-2012 - 01-09-2012)

 No início do século XIX, as atividades de limpeza corporal eram simples, reduzidas à lavagem de algumas partes do corpo, como os pés. Viajantes que passaram pelo Brasil naquela época deixaram registros de seu espanto com a falta de hábitos de higiene mais completos.
Por volta de 1860, cada pessoa dispunha, em média, de 12,5 litros de água por dia, para todas as atividades necessárias à vida (beber, cozinhar e cuidar da limpeza do corpo). Atualmente, cada pessoa gasta em média 40 litros diários apenas com a higiene pessoal. No entanto, a distribuição de água é e sempre foi desigual entre os grupos sociais e entre os países do mundo.
Na cidade de Alcântara, as pessoas recorriam às fontes públicas para o abastecimento de água. Famílias ricas tinham poços nos fundos de suas casas, o que facilitava o trabalho de coleta de água. O sistema moderno de abastecimento de água chegou à cidade na década de 1980.
Perfumes, loções, águas perfumadas e pomadas especiais eram usados nas atividades de higiene do corpo. A fumigação (produção de fumaça, geralmente a partir de produto odorífero, como alfazema) era vista como medida de higiene doméstica.
A aparência das vestimentas era muito importante: a limpeza e engomação das roupas eram indicativos sociais do grau de higiene do indivíduo.    


Referências Bibliográficas

SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. São Paulo das Águas. Tese de livre-docência – Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais. Pontifícia Universidade Católica – PUC-SP: 2004

_________________________. Concepções de Limpeza. Equipamentos da Casa Brasileira – Usos e costumes – Arquivo Ernani da Silva Bruno. Disponível em http://www.mcb.org.br/docs/ernani/pdf/Concep%C3%A7%C3%B5es_de_Limpeza.pdf. Sem data.


Vitrine 5 -A CASA EDISON E A MÚSICA BRASILEIRA (01-05-2012 - 01-07-2012)
Fundada em 1900 pelo tcheco Frederico Figner, no Rio de Janeiro, a Casa Edison foi a primeira empresa a gravar e comercializar registros fonográficos no Brasil. Ao longo de sua existência, realizou mais de 4000 sessões de gravação, legando à posteridade um conjunto valioso de obras musicais, preservando a memória de nossa cultura popular.
Estilos musicais como o lundu e a modinha, com raízes no século XVIII e hoje desaparecidos, foram imortalizados pela empresa de Figner. Artistas como os cantores Bahiano, Cadete e Eduardo das Neves, o exímio flautista Patápio Silva, Pixinguinha e Chiquinha Gonzaga, entre inúmeros outros, tornaram-se célebres graças às gravações da Casa Edison.
Além do valor musical deste material, as letras das canções e os discursos cômicos gravados naquele tempo permitem entrever aspectos da cultura, da sociedade, da política do início do século. As reformas urbanas que Pereira Passos introduziu no Rio de Janeiro, a Revolta da Vacina, as peripécias de Santos Dumont na França, são alguns dos acontecimentos cujas percepções foram condensadas nas músicas da Casa Edison. E mais, certos padrões de relacionamentos entre homens e mulheres, as formas do amor, o clima político, todo esse imaterial passado retorna nos fonogramas da empresa.
A própria forma de consumir e produzir música se modificou com a introdução dos discos e fonógrafos. Eles substituíram gradualmente os músicos de carne e osso, antes responsáveis pela sonorização de eventos sociais. Músicos e músicas tiveram que se adequar ao novo formato, reduzindo a duração das canções para caber no tempo de gravação de um lado do disco. Os velhos instrumentos musicais foram cedendo espaço às vitrolas e gramofones. 
Membros da família Guimarães, a segunda a viver neste sobrado, foram consumidores de produtos da Casa Edison. Arregimentaram 53 discos feitos nas primeiras décadas do século XX, coleção que hoje faz parte do acervo do MCHA. No Maranhão, estabelecimentos comerciais como “A RIBAMAR”, situada na Rua Joaquim Távora, e a “CASA BASTOS”, na rua Collares Moreira, eram revendores autorizados dos produtos da Casa Edison.  


Bibliografia consultada

FRANCESCHI, HM A Casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro: Sarapuí, 2002.


Vitrine 4 - "Um peso, duas medidas: a introdução do 'sistema métrico francês' e a revolta do 'quebra-quilos'" (01/03/2012 - 01/05/2012)
Há milhares de anos, os seres humanos sentiram a necessidade de calcular e quantificar massas, distâncias, volumes e dimensões. Para fazer isso, criaram padrões que se tornaram parte da cultura humana. Os primeiros padrões de medida eram, quase sempre, antropométricos, ou seja, inspirados nas dimensões humanas: pés, polegadas, braças, palmos, côvados, jardas.
 

O maior problema desses sistemas antigo de medição era a falta de unidade, já que cada região desenvolvia seu próprio código quantificador. Tais diferenças dificultavam, por exemplo, as trocas comerciais. A forma mais direta de resolver isso seria simplesmente unificar pesos e medidas, criando padrões universais. Realizar tal unificação, no entanto, não foi nada fácil. Tentativas de uniformizar pesos e medidas foram realizadas no Ocidente desde a Idade Média, sem sucesso. Foi na França, por força da Revolução de 1789,  que se conseguiu pela primeira vez estabelecer um padrão nacional de pesos e medidas.


No século XIX, em plena era industrial, a economia capitalista se mundializou, ligando mercados e áreas produtoras. Nesse cenário, a falta de unidade nos sistemas de pesos e medidas prejudicava os negócios. Em 1867, buscando resolver este problema, formou-se na França o Comitê dos Pesos e Medidas e da Moeda. Havia outras tentativas de universalização em andamento: da língua (com a criação e divulgação do esperanto, que se desejava substituísse as línguas nacionais) e da medição do tempo (com a criação do sistema de fusos horários).  As diferenças culturais dos países eram vistas como barreiras ao “desenvolvimento”.


O Brasil foi um dos países que se comprometeu a adotar o sistema métrico decimal criado nessas reuniões: pela Lei nº 1157 de 26 de junho de 1862, instituiu-se a substituição dos sistemas de medição tradicionais pelo “sistema métrico francês”. A lei concedia um prazo de 10 anos para a adoção dos novos padrões.
 
Mas a introdução do sistema métrico no Brasil provocou reações violentas. A nova lei de pesos e medidas foi imposta à população ao mesmo tempo em que se instituíam mecanismos mais eficientes de recrutamento militar, novas leis de registro civil para nascimentos, casamentos e óbitos e novos impostos sobre os mercados locais, taxando atividades que antes eram exercidas livremente, como o comércio ambulante. Essa mistura explosiva provocou uma onda de protestos que atingiu oito províncias brasileiras (sete delas no Nordeste) e se estendeu de 1874 a 1876. Em cada localidade onde o movimento se manifestou, a causa principal era uma: em algumas paragens, a maior reclamação era contra o novo sistema métrico (nesses locais os revoltosos inutilizavam os aparelhos de medição, sendo chamados de “quebra-quilos”), em outras, a revolta maior era com o recrutamento (revoltas geralmente encabeçadas por mulheres, que destruíam os editais de convocação e as relações com os nomes dos homens recrutados, ficando conhecidas por “rasga-listas”). A ação dos rebeldes provocou a revogação de alguns impostos e retardou a adoção do sistema métrico em vastas regiões do interior do país.


No Maranhão, formas antigas de quantificar sobreviveram à introdução do sistema métrico decimal. Em várias regiões do Estado, utiliza-se o cofo para medir e transportar farinha de mandioca e outras mercadorias. Estes objetos artesanais são fabricados em tamanhos que se referem a medidas antigas: alqueire, arroba, etc.


A recusa em aceitar os novos padrões métricos e a insistência em sistemas antigos e tradicionais demonstram os limites da ação das autoridades do Estado e evidenciam a força e a importância de saberes e costumes populares e sertanejos. E mostram que, no cotidiano das sociedades, os pesos e medidas não são objetivos e precisos, mas sim grandezas sujeitas a variações e adulterações ao sabor das conveniências humanas.



BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
SECRETO, María Verónica. (Des)medidos – A revolta dos quebra-quilos (1874-1876). Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2011.
GONÇALVES, Jandir; LIMA, Weeslem; FIGUEIREDO, Wilmara. Cofo, tramas e segredos. São Luís: Comissão Maranhense de Folclore, 2009.



Vitrine 3 - "Excreções e secreções: do público ao privado" (01/01/2012 - 01/03/2012)

Urinóis
Os urinóis se popularizaram no século XIX, tornando-se parte dos utensílios básicos das casas. Se hoje parecem desconfortáveis e incompatíveis com as noções de comodidade e higiene, representaram, no momento em de sua disseminação, uma etapa no processo de privatização das rotinas do corpo, que antes eram realizadas publicamente, em toda parte.
Entre os séculos XVI e XVIII experimentou-se um período de “libertação escatológica”: as funções fisiológicas eram exercitadas publicamente, à vista de todos, em qualquer hora ou lugar. Os manuais de etiqueta deste período ensinavam que o censurável não era o ato em si, mas cumprimentar, olhar ou falar com alguém que o estivesse executando. Para ser polido, o sujeito deveria fingir-se de cego...
No século XIX, ocorreu a transição para a etapa da “grande contenção”, momento em que as atividades excretoras passaram a ser realizadas em ambiente privado. Da mesma forma, deixou-se de falar no assunto publicamente, banindo o tema das conversas em sociedade.
Os urinóis, junto com as “cadeiras furadas”, bidês e outros aparatos,  eram nesse contexto um recurso útil para se atingir o novo objetivo de privatizar as funções fisiológicas. A próxima etapa, com a introdução das instalações hidráulicas, seria a criação de espaços específicos dentro das residências para a execução das atividades fisiológicas, os water closets

Escarradeiras
Originárias da China, as escarradeiras se disseminaram pela Europa entre os séculos XVI e XVIII, e daí se espalharam para as colônias européias em todo o mundo.
Visto de início como prática necessária e salutar, forma de expelir do organismo as secreções nocivas, o ato de escarrar era publicamente tolerado e praticado, e dessa maneira as escarradeiras se tornaram presença obrigatória nas salas e escritórios de casas nobres. Com o avanço dos conhecimentos da microbiologia, o ato de escarrar passou a ser mal visto, considerado anti-higiênico, por conta do potencial de propagação de microorganismos, especialmente do bacilo de Koch, causador da tuberculose. Os médicos, principalmente, passaram a combater sistematicamente o hábito.
Medicina Hipocrática
Urinóis e escarradeiras atestam uma preocupação com a expulsão sistemática das secreções corporais. Isso se deve a uma forma particular de entender o funcionamento do corpo, originada da antiga medicina hipocrática. Segundo esta teoria, o funcionamento perfeito do organismo se devia ao equilíbrio entre as quatro substâncias básicas que governam o corpo: o sangue, a fleuma, a bile negra e a bile amarela. Desta forma, a predominância de uma dessas substâncias provocaria a doença. A melhor terapia, portanto, era estimular o reequilíbrio das quatro substâncias, através da aplicação de sangrias, vomitórios, purgativos, laxantes, etc.
Estes frascos continham substâncias purgativas, expectorantes e laxantes, que eram, na concepção medicinal da época, as ações mais eficientes na busca por uma saúde equilibrada.

BIBLIOGRAFIA

LIMA, Tania Andrade. Humores e Odores: ordem corporal e ordem social no Rio de Janeiro, século XIX. In: História, Ciências, Saúde – Manguinhos, II (3):, Nov. 1995 – Fev. 1996. p 44-96




Vitrine 2 - AGRICULTURA NO MARANHÃO: modelos, produtos, técnicas e ferramentas” (01/11/2011 - 01/01/2012)
 


A partir de 1950, nos países desenvolvidos, ocorreu uma “revolução agrícola” marcada pela motorização-mecanização do trabalho, pela seleção de variedades de plantas e raças de animais com forte rendimento, pela utilização de fertilizantes em larga escala, pela suplementação alimentar para os rebanhos de animais e pelo emprego massivo de produtos químicos (vermífugos, pesticidas, antibióticos) em plantas e animais. 
Este processo ocorreu de maneira desigual: a maior parte dos agricultores do mundo continuou a contar apenas com ferramentas manuais simples. Frente à queda dos preços de itens agrícolas causada pelo aumento da produtividade, estas pessoas viram seu padrão de renda cair, e em muitos casos foram obrigadas a abandonar suas terras, tornando-se assalariados.  Esse é um dos motivos do intenso êxodo rural que ocorreu nos últimos 50 anos.
Por outro lado, a agricultura “moderna” provoca outros problemas: diversos tipos de poluição, prejuízos à qualidade e a segurança sanitária dos alimentos, concentração excessiva das produções e abandono de regiões inteiras, degradação dos solos e do ambiente. Apesar de revolucionária em seus resultados produtivos, traz efeitos colaterais perigosos.
Os objetos em exposição nesta vitrine, ferramentas de trabalho agrícola do final do século XIX e início do século XX, mostram o estágio técnico da agricultura alcantarense daquele período. São um convite à reflexão sobre a agricultura hoje, com suas contradições e desafios.

BIBLIOGRAFIA
BRAUDEL, Fernand. O pão de cada dia.

D’ABBEVILLE, Claude. História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terras Circunvizinhas. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1975.

D’EVREUX, Yves. Viagem ao Norte do Brasil: feita nos anos de 1613 e 1614. Tradução de César Augusto Marques. São Paulo: Siciliano, 2002.

DEAN, Warren. A Ferro e Fogo – A História e a Destruição da Mata Atlântica Brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1993.

GOMES, Marcos Antônio; CARDOSO, Maria Suely Dias. Apropriação e manejo dos recursos em Santana de Caboclos – Terra de Santíssimo. In: ANDRADE, Maristela de Paula; FILHO, Benedito de Souza (Org.) Fome de Farinha: deslocamento compulsório e insegurança alimentar em Alcântara. São Luís: EDUFMA, 2006. pp. 113-144.

KERR, Warwick E. Agricultura e Seleções Genéticas de plantas. In: RIBEIRO, Bertha G. (Org.). Suma Etnológica Brasileira volume 1- Etnobiologia. Petrópolis: Vozes, 1986.  p. 159-171

MAZOYER, Marcel; ROUDART, Laurence. História das Agriculturas no Mundo: do neolítico à crise contemporânea. São Paulo: Editora UNESP; Brasília, DF: NEAD, 2010.

MOTA, Antônia da Silva. Família e Fortuna no Maranhão Setecentista. In: COSTA, Wagner Cabral da (Org.). História do Maranhão: Novos Estudos. São Luís: EDUFMA, 2004. p. 51-80.

SOUZA FILHO, Benedito; LÔBO, Janaína Campos; GASPAR, Rafael Bezerra. Samucangaua: identidade, produção de alimentos e cultura alimentar. In: ANDRADE, Maristela de Paula; FILHO, Benedito de Souza (Org.) Fome de Farinha: deslocamento compulsório e insegurança alimentar em Alcântara. São Luís: EDUFMA, 2006. pp. 57-112.





Vitrine 1 -"Iguais mas diferentes: cada um como a natureza o fez" (01/09/2011 - 01/01/2011)

Os trabalhos de costura eram parte da educação feminina. O regulamento do Asilo Santa Thereza, fundado em 1855 para atender moças órfãs e pobres do Maranhão, tinha o seguinte currículo:

“O ensino se dividirá em quatro classes, domodo seguinte: 1ª doutrina cristã e deveres morais e religiosos, leitura, escrita, aritmética até frações, princípios elementares de gramática nacional, noçõesgerais de geografia e história pratica de desenho; 2ª exercícios de agulha de todo gênero;3ª prática de trabalhos e economia doméstica, como cozinhar, lavar, engomar, confeitaria de todas as especialidades etc.; 4ª noções gerais de música.”

Além de importante na economia doméstica, poupando gastos na compra de roupas, a costura era vista também como forma de manter ocupadas as mentes femininas, protegendo-as da “dissolução moral” provocada pelo ócio. A introdução das máquinas de costura, já na segunda metade do século XIX, foi mal vista pelas mentes mais conservadoras. É o que se percebe neste inflamado discurso da personagem, criada por Aluísio de Azevedo, Amância Sousellas, inimiga do progresso:

“No seu tempo, dizia ela com azedume, as meninas tinham a sua tarefa de costura para tantas horas e haviam de pôr pr’ali o trabalho!se o acabavam mais cedo iam descansar?... Boas! Desmanchavam, minha senhora! desmanchavam para fazer de novo! E hoje?... perguntava, dando um pulinho, com as mãos nas ilhargas — hoje é o maquiavelismo da máquina de costura! Dá-se uma tarefa grande e é só “zuc-zuc-zuc!” e está pronto o serviço!E daí, vai a sirigaita pôr-se de leitura nos jornais, tomar conta do romance ou então vai para a indecência do piano!” (Aluísio Azevedo, “O Mulato”, 1881)

A mulher recebeu do século XIX uma duvidosa herança: a cintura de vespa. Para obter tal predicado, no entanto, teve que submeter-se ao espartilho. Mal dissimulado instrumento de tortura – rígido, feito de pano forte, às vezes mantido ereto por varetas feitas de barbatanas de baleias – ele atrofiava as últimas costelas e sacrificava também o baço, o fígado e os rins. A partir de 1918 varetas flexíveis de aço vieram diminuir um pouco tal sofrimento. O uso do espartilho é mais um dos expedientes que se tem usado, ao longo do tempo, para atingir a aparência ideal, na busca por padrões externos que desrespeitam a diversidade de formas e a individualidade das pessoas.





Passar e engomar roupas eram atividades exaustivas e demoradas. Um ferro aquecido com brasas pesava entre três a cinco quilos. Para que o serviço fosse feito com rapidez e eficiência, era preciso que a dona de casa contasse com três ferros; um terno de linho exigia, para ser passado sem interrupção, pelo menos cinco ferros previamente aquecidos.
Confinadas ao ambiente doméstico, as mulheres realizavam cotidianamente atividades pesadas, o que contrariava o discurso médico de então, que as descrevia como frágeis e fracas.
Na cidade de Alcântara, que só teve fornecimento regular de energia elétrica a partir de 1989, as atividades domésticas tiveram que continuar a ser feitas como se fazia nos séculos precedentes, sem que se pudesse contar com as inovações tecnológicas que facilitavam a vida das donas de casa de outras regiões, como o ferro elétrico, a máquina de lavar roupas, etc.
Residência de famílias de elite por quase 200 anos, nesta casa os serviços domésticos eram realizados por serviçais, escravos ou não, poupando as senhoras das atividades mais sujas, pesadas e degradantes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, Aluísio. O Mulato. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1970
MALUF, Marina; MOTT, Maria Lúcia. Recônditos do Mundo Feminino. In SEVCENKO, Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil – vol. 3. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
MARANHÃO. Secretaria de Estado da Cultura. Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho. Memória de Velhos. Depoimentos: uma contribuição à memória oral da cultura popular maranhense. São Luís: LITOGRAF, 1997. pp. 111-182