sábado, 4 de dezembro de 2010

A Instituição



Os museus históricos, segundo Ulpiano Menezes, foram criados com um intuito claro de “acatar, celebrar e fixar modelos de valores e comportamentos”, por meio da promoção de determinados personagens que encarnam esses elementos. Essa função atribuída aos museus históricos se confunde com o papel que se atribuía a História enquanto ciência: legitimadora de construções sociais, políticas e econômicas, que apresentava uma verdade pronta e acabada sobre o passado. Era um período em que os historiadores se ocupavam dos grandes vultos, dos fatos extraordinários, dos acontecimentos ligados as dinastias, aos governantes, aos grandes nomes. Só mereciam estudos os aspectos econômicos, políticos e militares. O cotidiano, a vida e os esforços das pessoas comuns, as mentalidades e o imaginário, eram aspectos desprezados, vistos como desimportantes, indignos de estudos e análises. Mulheres, escravos, trabalhadores, crianças, não eram vistos como atores históricos de fato.
Apesar de ser comum detectar permanências desse paradigma, a história mudou muito nas últimas décadas. Diversas gerações de estudiosos tomaram consciência da importância de tais estudos, e aqueles aspectos antes ostracizados são hoje centrais nos esforços dos historiadores.
Nosso trabalho no Museu Casa Histórica de Alcântara se desenvolve dentro dessas novas perspectivas historiográficas. Nossa instituição preserva elementos importantes que permitem compreender um pedaço da história do Brasil e do Maranhão. O prédio, construído no início do século XIX, fugindo do destino de seus coevos hoje arruinados, exibe em seus traços arquitetônicos as características do contexto em que apareceu: suas senzalas indicam que é fruto de uma sociedade escravocrata, sua divisão interna demonstra a composição patriarcal das famílias. O conteúdo do prédio, seu mobiliário, seus instrumentos de trabalho e utensílios domésticos, documentam os padrões do cotidiano, os hábitos corriqueiros que delineiam as formas de pensar e agir, as formas de sociabilidade, as relações de gênero, a religiosidade. Tal acervo se enriquece quando se percebe um “hibridismo temporal”, a presença e convivência de objetos produzidos em períodos diferentes, agregados pela última família que ali viveu, ao longo da primeira metade do século XX. É uma transição histórica que se revela: hábitos que permanecem, novidades tecnológicas que se incorporam aos velhos móveis, o encontro dos séculos XIX e XX.
Olhada por este prisma, nossa instituição se manifesta como um importante documento histórico, cristalizando materialmente o processo de transição entre a Monarquia e a República, momento em que a antiga aristocracia rural perde espaço e um novo segmento, ligado as atividades urbanas, se consolida.
Essa riqueza histórica impressa no Museu Casa Histórica de Alcântara seria inócua, no entanto, se representasse a finalidade última dessa instituição. Mais do que ser meramente a guardiã desse legado, a Casa procura tornar-se intermediária dele com a sociedade circundante, concorrendo para a formação de uma consciência crítica e para a discussão, compreensão e ação direta na realidade local. Projetos como o de resgate da memória local, formando um acervo audiovisual, as diversas oficinas realizadas anualmente, as palestras e ciclos de debate e as atividades educativas visam tornar o Museu Casa Histórica de Alcântara um ator social importante na comunidade.
Antônio Lopes, historiador maranhense, lançou nos anos 1950 a fórmula que definia Alcântara: “ontem uma grandeza, hoje uma ruína: amanhã o que será?” Nosso trabalho visa, acima de tudo, proporcionar uma resposta positiva a esse enigma.

Texto e pesquisa: Daniel Rincon Caires

Referências:

BURKE, Peter. A Escola dos Annales – 1929 – 1989 – A Revolução Francesa da Historiografia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997.

LOPES, Antônio. Alcântara - Subsídios para a história da cidade. São Paulo: Siciliano, 2002.

MENEZES, Ulpiano T. Bezerra de. Para que serve um museu histórico? In: Como Explorar um Museu Histórico. São Paulo: USP/Museu Paulista, 2000.

Foto: Casarões da Praça da Matriz de Alcântara, cerca de 1920. Acervo fotográfico do MCHA

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