segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

AS MADEIRAS EMPREGADAS NO MOBILIÁRIO

Rugendas - "Derrubada da Floresta"
Um dos aspectos que podem ser estudados com relação ao mobiliário é o que se refere às matérias primas utilizadas em sua confecção. Esse olhar aponta as relações das pessoas com o meio ambiente, indica padrões de consumo e mesmo a mentalidade do homem quanto ao seu lugar no planeta.
Em relatos de viajantes, eclesiásticos e outros do período colonial, e em inventários, pode-se apreender as madeiras usadas na construção de móveis, uma vez que havia preocupação em indicar a espécie da madeira empregada. Durante todo o período colonial e mesmo depois as árvores foram sistematicamente extraídas para o uso da madeira. Os artífices produtores de móveis de Portugal logo adotaram as madeiras brasileiras, que às vezes voltavam ao Brasil já na forma de móveis.
As madeiras citadas em documentação colonial, segundo Tilde Canti, eram conduru, suaçucanga, jacarandá, vinhático, cedro, jequitibá, jucuiaça, mecetayba, pau-santo, carvalho, angelim, canela preta e branca, sebastião arruda, gonçalo alves, cabiúna. Havia no Brasil “grande fartura de madeiras de lei, de beleza e qualidade próprias para o trabalho de marcenarias e talha fina”.
A preocupação lusitana com suas frotas navais foi responsável por criar o termo “madeira de lei” ou ainda “pau real”. A fim de garantir a preservação de árvores que serviam para armação de embarcações, a coroa portuguesa começou, a partir de 1698, a editar ordens e leis que visavam evitar a derrubada desordenada dessas madeiras. Foi feito um esforço de inventariar as reservas de madeiras de lei, e criado um sistema de fiscalização que deveria se encarregar do controle desses recursos; a incompetência e a corrupção derrubaram, na prática, essas iniciativas. O governo tentou evacuar áreas onde ocorriam essas madeiras, criando “reservas”. Os mananciais situados em fazendas de proprietários sofreram intervenção: os fazendeiros deveriam obter permissão para abater essas árvores, e deviam vender a madeira para agentes ligados ao governo a preços tabelados. Eles resistiram violentamente a essas regulamentações, organizando boicotes, descumprindo as leis e, em muitos casos, queimando toda a madeira de lei existente em seus domínios para evitar aborrecimentos com o governo... Os liberais também foram críticos a esse modelo, considerando insuportável o monopólio governamental sobre o setor de madeiras de lei. As madeiras de lei mais conhecidas eram tapinhoã (a preferida por ser resistente a parasitas marinhos), sucupira, canela, canjarana, jacarandá, araribá, pequi, jenipaparana, peroba, urucurana, vinhático. Essas madeiras têm como característica comum a ocorrência apenas nas florestas primárias, de cultivo humano inviável economica e ecologicamente e de crescimento lento. Uma vez derrubadas essas formações, é provável que nunca mais pudessem se recuperar.  
Ainda na década de 1970 um único exemplar de jacarandá, com dois metros de diâmetro, podia alcançar o preço de 2000 dólares no mercado, o que tornava a atividade muito rentável e compensava os riscos de executá-la.

Bibliografia:
CANTI, Tilde. O móvel no Brasil: Origens, evolução e características. Rio de Janeiro: Cândido Guinle de Paula Machado, 1985.

DEAN, Warren. A Ferro e Fogo – A história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. pp. 150-155.
Imagem:
Texto e pesquisa: Daniel Rincon Caires

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Reunião com Professores da Escola Caminho das Estrelas

Os técnicos do Museu Casa Histórica de Alcântara Hélder Mello (Museólogo), Liz Renata (Educadora) e Daniel Caires (Historiador) se reuniram hoje com o corpo docente da Escola Caminho das Estrelas. No encontro foram apresentados projetos pedagógicos elaborados pela equipe do Museu, e firmou-se uma parceria da Escola com a Instituição. Uma cópia do portfólio das atividades educativas do Museu foi entregue ao diretor da escola.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Sobre o trabalho de produção de móveis no Brasil colonial

Joaquim Cândido Guillobel
"Fiel retrato do interior de uma casa brasileira"; 1814/1816
Caio Boschi, professor da PUC-MG, realizou estudos acerca do Barroco mineiro que trazem luz sobre o trabalho de artífices no Brasil. Isso se deve a sua proposta de analisar o Barroco - que considera a primeira expressão artística brasileira - por um novo viés, qual seja, o de abandonar as tradicionais abordagens estéticas para se concentrar no contexto de produção e nas relações sociais que engendram as obras. Ele busca mapear a estrutura e a dinâmica do trabalho dos artífices, bem como as formas de consumo dos materiais por eles produzidos. Em suma, trilha outro caminho que não o da abordagem puramente artística, concentrada nas peças e obras, deixando de lado ainda a visão de foco sobre alguns personagens famosos para se voltar a um olhar maior, ou, em suas palavras, “contextualizar objetivamente a atuação do conjunto dos homens que se dedicavam às artes e aos ofícios mecânicos na região mineradora da colônia”. Carpinteiros, marceneiros e carapinas, junto com entalhadores, escultores e construtores, aparecem em evidência no estudo de Boschi.
A mineração criou um universo urbano, comercial, cultural e adminstrativo à sua volta, gerador de demanda por profissionais liberais, artífices e outros trabalhadores especializados. A prevalência do trabalho escravo foi proporcionalmente menor: o trabalho livre caminhava com a urbanização. O esgotamento das minas, além disso, provocava um êxodo de mineiros desiludidos para as cidades, compondo um contingente de trabalhadores livres. Estudos demográficos mais recentes demonstram a expressiva presença de trabalhadores livres atuantes nos setores secundário e terciário. Parte dessa população de mecânicos era itinerante, sempre em busca das melhores oportunidades de trabalho. Mesmo entre os escravos as condições eram diferentes: encontravam, na região das minas, maior mobilidade social e maior facilidade para obter a liberdade.
Em função de todas essas situações, o trabalho manual, em geral desvalorizado nas outras partes da colônia, ganhou na região das minas um valor socialmente relevante, do qual mulatos se aproveitaram para obter reconhecimento. Destreza, habilidade e senso estético eram valores relevantes na qualificação dos trabalhadores, conferindo estima, distinção e prestígio e afastando da marginalização.
Uma das marcas do trabalho dos artífices em Minas era seu caráter “liberal”. Os artesãos eram “livres para trabalhar e vender os seus produtos ou mesmo sua força de trabalho”, desembaraçados de instituições, regras e leis. Determinava o processo produtivo as forças do mercado, às quais eles se relacionavam diretamente. O espírito corporativista que regia as atividades mecânicas na Europa fracassou na região das minas. Ali os artesão não se aliavam em cooperativas, nem subdividiam a produção. O indivíduo em geral trabalhava sozinho, do começo ao fim do serviço, secundado apenas pelos seus ajudantes. Não havia a hierarquia rígida que marcava essas atividades na Europa, e a figura do mestre quase inexistia. O sistema de aprendizado era menos rígido e formal que no Velho Mundo, onde se desenvolvia segundo ritos e sistemas. Em suma, em Minas inexistiram as corporações de ofício, uma vez que a proteção que elas conferiam aos artesãos era desnecessária frente a um cenário de demanda perene. Quando se tratava de proteção mútua, os brasileiros preferiam as Irmandades leigas e Confrarias de cunho religioso, que não levavam em conta critérios profissionais como condições de filiação. É necessário ressalvar, ainda, que já na Península Ibérica as corporações de ofício funcionavam sem grande entusiasmo.
Esse modelo de organização do trabalho mecânico em Minas não pode ser tomado como regra para toda a colônia, mas parece certo que a rigidez que marcou a atividade na Europa medieval e moderna não vingou no Brasil. Ainda que não tão liberal quanto na região das minas, onde a demanda aquecida pela rápida urbanização criou condições singulares, as dificuldades de fiscalização, frente à vastidão do território, e o próprio escravismo, que subverteu a organização corporativa das atividades artesanais, impediu que aqui se reproduzissem as condições originais. Tilde Canti reservou uma seção de sua obra sobre o móvel no Brasil para tratar do seu processo de produção. Ela cita inúmeros documentos que fazem referência a carpinteiros, marceneiros e entalhadores, tentando evidenciar a presença deles, sua origem, quando possível, e seu local de atuação. Esse trabalho tenta observar o trabalho dos artífices em escala “nacional”. Os colonizadores e donatários traziam artífices para o Brasil, entre eles carpinteiros, marceneiros e entalhadores. Muitos executavam serviços para igrejas e ordens religiosas, ações bem documentadas nos livros dessas intituições. Serviços para particulares aparecem menos, sugerindo informalidade nos contratos.
Muitos carpinteiros e marceneiros saíam de Portugal portando certificados de suas habilidades, provenientes principalmente da cidade de Porto e do Norte de Portugal. Ao chegarem, solicitavam permissão para executar seus ofícios no Brasil. Esses documentos permitem mapear a saída e a trajetória profissionais.
Na Bahia do século XVIII, como forma de obter a licença para trabalhar, os artífices brasileiros e portugueses deviam se submeter a um exame, que consistia de um questionário sobre o ofício e a execução de uma peça (tamborete, retábulo, caixa e malhete). Se aprovados, era-lhes permitido oficiar em suas “tendas”: os que eram enquadrados como marceneiros podiam executar em obra preta e branca; os definidos como carpinteiros apenas em obra branca (obra preta: móveis; obra branca: carpintaria de construção). Essa divisão não foi respeitada, frente à referida dificuldade de fiscalização. Esse mesmo processo de qualificação era efetuado em Minas Gerais, segundo Caio Boschi, e da mesma forma ignorado. Os juízes responsáveis pela avaliação das peças apresentadas pelos candidatos, chamados “juízes de ofício”, eram eleitos entre os artesão mais experientes.
Havia ainda mestres religiosos e leigos que trabalhavam somente para igrejas e ordens, e não eram registrados. 
O escravismo, como foi dito, também foi um fator que modificou muito a organização do trabalho de artífices no Brasil. Haviam regulamentações para afastar negros e escravos do ofício: não era permitido aos artífices tomar aprendizes negros, somente brancos e mulatos forros; negros não podiam prestar o exame de credenciamento do ofício senão brancos e mulatos forros. No entanto, a falta de fiscalização, aliada ao isolamento das fazendas, fez com que negros escravos e índios fossem aproveitados para o serviço de marcenaria. (CANTI, 1985 – p. 80). O hábito de se empregar escravos como ajudantes acabava por dar-lhes a oportunidade de se aperfeiçoar nos ofícios. Aleijadinho, por exemplo, servia-se da ajuda de dois escravos, Maurício e Agostinho, a quem tratava como meeiros. Muitos desses escravos acabaram conquistando a liberdade por meio de suas proezas técnicas, tornando-se negros forros vivendo de seus ofícios. (BOSCHI, 1988 – p. 34). No borrador de Antônio Gomes Ferrão Castelo Branco, senhor de engenhos do final do século XVIII da Bahia, encontra-se uma curiosa referência a um escravo artesão. Trata-se de descrição feita por ele de um escravo fugido:
“Marceneiro, entalhador, torneiro e oficial de fazer engenhos. Teve bexigas de que lhe ficaram bastantes sinais; a cor é fixamente preta. Não se lhe falta dente algum; tem alguma coisa de cavalgador, a fala é fina, não é gordo, nem magro; pernas magras e representa 30 para 40 anos sem cabelos brancos. Toca viola a cujo som recita alguns tonilhos castelhanos. É inclinado a Baco, mas não tanto quanto a Vênus de que foi sempre inseparável. Sabe ler e escrever, mas já com óculos, e traz a sua vida por ele mesmo.” (PRIORE, 1997 – p.292)

No Cartório da cidade de Alcântara, nos fragmentos de um livro de transcrição do penhor de escravos, encontra-se breve referência a escravos artífices. Em 3 de setembro de 1867 a Fazenda Pública Provincial do Maranhão tornou-se credora de Antônio Florêncio Alves Serrão. Como garantia o devedor ofereceu, além de “huma situação com um quarto de terra em quadro, com utensílios”, mais “cinco escravos”.  Segue o documento enumerando e descrevendo os escravos penhorados:
“1 - Raimundo preto solteiro, oficial de carapina de 25 annos – 2 José preto solteiro e sem offício de 12 annos – 3 Evaristo preto casado official de ferreiro de 30 annos, 4 – Isaías, digo Elias preto solteiro roceiro de 30 annos; 5 – Gertrudes preta solteira de 30 annos.”

O IPHAN e o Museu da Inconfidência publicaram levantamentos sobre o tema: “Carpinteiros e Marceneiros em Minas Gerais” (Anuário do Museu da Independência, Ouro Preto, 1954), “Documentos sobre artífices e oficiais na região de Ouro Preto e Mariana” (mesma publicação e ano) e “Oficiais mecânicos em Vila Rica”, trabalho de Salomão Vasconcelos, publicado na revista do Iphan nº 4. Até onde nossas pesquisas nos levaram, não detectamos trabalhos semelhantes em relação ao Maranhão.


Bibliografia
BOSCHI, Caio C. O Barroco Mineiro: Artes e Trabalho. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988.
CANTI, Tilde. O móvel no Brasil: Origens, evolução e características. Rio de Janeiro: Cândido Guinle de Paula Machado, 1985.
PRIORE, Mary Del. Ritos da Vida Cotidiana. In: SOUZA, Laura de Melo e (Org.) História da Vida Privada no Brasil, vol. 1. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
Imagem:
Pesquisa e texto: Daniel Rincon Caires

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Móveis Thonet

Fábrica Thonet, 1930. Produção em série popularizou o móvel
 Filho de um artesão, Michael Thonet estabeleceu-se como marceneiro autônomo em 1819, fundando sua oficina em Boppard, na região do Reno, atual Alemanha. Tornou-se famoso pelos móveis construídos com madeira curvada, uma técnica já conhecida na Europa desde o início da Idade Média. Os blocos de madeira sólida eram tornados maleáveis pela aplicação de calor e umidade através do vapor, sendo então moldados em novas formas. O domínio e desenvolvimento da técnica exigiu décadas de esforço. Iniciou as primeiras experiências, usando compensado e cola, em 1830. Dedicado a estratégias de redução de material e tempo, Thonet “permitia que as qualidades intrínsecas do material – madeira – ditassem as formas de suas criações”.
Em 1842, durante a Feira de Comércio de Koblenz, conheceu o príncipe Klemenz Wenzel Von Meternich, da Áustria, a quem impressionou com seu trabalho. Foi convidado a produzir móveis para os palácios de Viena. Estabelecido nesta cidade, Thonet viu-se capaz de atingir todo o mercado do Império Austríaco. Nos próximos anos, Michael Thonet conquistou gradualmente o respeito da comunidade europeia, recebendo prêmios nas Feiras Mundias de Paris e Londres.
Conhecido como o responsável por efetuar a transição do processo artesanal para a produção industrial de móveis, Thonet desenvolveu um sistema de fabricação em massa em 1859, com sua “Cadeira nº 14”. As etapas do processo foram padronizadas e a concepção de divisão do trabalho foi empregada pela primeira vez na fabricação de móveis, o que barateou o produto. A cadeira nº 14 era facilmente desmontável, leve e ocupava pouco espaço para ser transportada. Além disso, Thonet fez grande publicidade de seus produtos, espalhando catálogos, provando-se brilhante capitalista, daqueles que compreendem ser necessário criar uma sociedade de consumo cujos desejos são inventados e depois atendidos. A conjunção desses fatores elevou o móvel de Thonet a um patamar global: até hoje, mais de 60 milhões de unidades foram vendidas. O pico de produção da fábrica Thonet ocorreu em 1912, quando 2 milhões de itens foram produzidos e vendidos.
Fábrica em Koritchan
A partir de 1856 as fábricas Thonet se espalharam pelo leste europeu, iniciando pela unidade  em Koritchan, na Morávia. A presença de grandes bosques de faias, a madeira mais usada nos móveis Thonet, atraiu o empresário para a região.
O Brasil foi um dos maiores mercados para os móveis produzidos pelas indústrias Thonet. Tilde Canti, estudiosa do mobiliário, comenta a recepção desses objetos no país:

 “Apesar de ser um móvel importado, o de estilo austríaco teve uma grande aceitação no Brasil a partir de 1861. Esses móveis apresentavam-se de várias formas, sempre com a madeira em corte circular, encurvada. São cadeiras, poltronas, canapés, consolos e pequenas mesas. A princípio eram fabricados por Michael Tonet, depois por seu filho Gebruder Thonet. Em seguida apareceram outros fabricantes desses móveis, como   Fischel, sediado em Wieny Niemes I.B. Desse fabricante há móveis em quase todo o Brasil.
Desde 1830 Michael Thonet fazia experiências, na Alemanha, em Bappard, região do Reno, com folhas de madeira compensada curvas. Mudando-se em 1842 para Viena, sob a proteção de Meternich, abriu sua fábrica em 1849. Aí, pesquisando em madeira maciça envergada (pau-rosa), apresentou, na exposição de 1851, o resultado de seu trabalho. A partir de 1860, usando a produção em série, em técnica industrial, passou a exportar seus móveis que, por serem leves e de fácil transporte, além de baratos, tiveram grande aceitação. Ele exportou sobretudo para as américas do Norte e do Sul. Sua procura foi geral, por todas as camadas sociais e, sobretudo, pelas casas comerciais que tinham necessidade de cadeiras e mesas em grande número. Até princípios do século XX ainda eram vistas nos cafés e restaurantes de várias cidades européias, americanas e na Austrália.

Encontramos esse estilo de cadeiras em todo o Brasil, mesmo em cidades do interior. São vistas às vezes com mesas, consolos, canapés e cadeiras de balanço, em fazendas, conventos, igrejas etc., além das encontradas nas casas tradicionais brasileiras. Móveis austríacos têm sempre um carimbo, etiqueta ou o nome Thonet gravado no avesso do assento.

No Rio de Janeiro, em dezembro de 1890, foi aberta uma fábrica que se dedicou à produção de móveis no estilo Thonet, tendo Ernesto Eugênio da Graça Bastos como presidente, e Leandro Augusto Martins como secretário. A Companhia de Móveis Curvados foi fundada para fabricar em grande escala móveis ‘a imitação dos de procedência austríaca, empregando o hunharém macho e outras madeiras. Firmaram contrato por 30 anos. O endereço era rua General Câmara 68, sobrado, o escritório, e a fábrica na rua Oliveira Fausto 18.” (CANTI, Tilde. O Móvel do Século XIX no Brasil. Rio de Janeiro: Cândido Guinle de Paula Machado, 1989. p. 153)
Mulheres em Koritchan, trabalhando com palhinha
Note-se como Tilde fala em “fabricantes” de móveis, e não mais de “artesãos”. De fato, no século XIX os processos industriais substituíram definitivamente o trabalho artesanal que marcava a produção dos móveis. Uma oportuna simplificação estilística, identificada genericamente como “neoclássico”, eliminou das peças os entalhes rebuscados que máquinas eram incapazes de reproduzir. O mobiliário, segundo opinião de João Hermes Pereira de Araújo, sofria uma “vulgarização e aburguesamento”. Ao mesmo tempo, o comércio se intensificou. Os móveis Thonet, dos quais o Museu Casa Histórica de Alcântara possui alguns exemplares, foram a variante industrial de mobiliário mais popular do século XIX.  
Bibliografia:
BLOOM, Barbara; WITT-DÖRRING, Christian. Historicism Art Nouveau. Texto para exposição sobre os móveis Thonet . The Museum of Applied Arts – Vienna. Obtido em http://www.mak.at/e/sammlung/schausammlung/raum04frame.htm

CANTI, Tilde. O Móvel do Século XIX no Brasil. Rio de Janeiro: Cândido Guinle de Paula Machado, 1989. p. 153
Indústrias Thonet .Texto básico para imprensa. Frankenberg/Eder, Novembro 2010. Obtido em http://www.thonet.de/
Imagens:

Mulheres na linha de produção – Koritchan http://www.koryna.cz/root/document/firma/historie/pletarky.jpg

Indústrias Thonet – 1930: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/7d/Thonet_-_Mundus.gif

Texto e pesquisa: Daniel Rincon Caires

Interiores no Brasil Colonial


IMAGEM 1. Jean Baptiste Debret - "Família Pobre em Casa". A viúva desvalida, sua filha e a única escrava velha que restou da ruína da família, encontram-se num interior modesto. Esteiras e redes são os únicos móveis de descanso a vista. A gelosia em frangalhos tenta garantir alguma privacidade. No segundo plano a cozinha, com as "três pedras que servem de fogão".

 É evidente que os padrões de moradia variavam de acordo com o estrato social do residente. Ainda que no começo da colonização as casa fossem indistintamente marcadas pela rusticidade e pela falta de elementos, o tempo – trazendo abundância de recursos econômicos aos senhores e qualificados artesãos para executar obras mais rebuscadas - se encarregou de fazer emergir a diferença. Aos casarões abastados, luxuosos e pejados de mobília, se contrapunham as moradas pobres, “choupanas de paus toscos e palhas de pindoba, mobiliadas com duas ou três esteiras, mesa e três pedras servindo de fogão”, conforme anotou Luis dos Santos Vilhena. É quase esse o cenário que aparece na pintura de Debret "Família pobre em casa" (Imagem 1). Outro relato, do francês Tollenaire, dá conta do interior de mais uma habitação desafortunada: “uma esteira, uma cuia ou cabaça e às vezes alguns potes de barro e andrajos, eis toda a mobília do lar de um casal negro”. A ilustração de Joaquim Cândido Guillobel  (Imagem 2) confere mais propriedade à essa citação.

Imagem 2 - J.C. Guillobel - "Interior de uma casa do baixo povo" (1820) A cobertura de pindoba, o chão de terra batida, o recipiente para água com as cuias, as redes, elementos que aproximam esta ilustração do relato de Tollenare. A diferença está no baú, móvel muito comum de acordo com estudos sobre mobiliário no Brasil colonial.

Referências Bibliográficas


ALGRANTI, Leila Mezan. Famílias e Vida Doméstica. In: SOUZA, Laura de Melo e (Org.) História da Vida Privada no Brasil - vol 1. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. pp. 83-154
Fonte das imagens:
PINHEIRO, Liliana. O Olhar dos Viajantes: o Brasil e sua gente. São Paulo: Duetto, 2010. p. 68 (imagem 2)
STRAUMANN, Patrick (Org.). Rio de Janeiro, cidade mestiça: nascimento da imagem de uma nação. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 33 (imagem 1)
 Texto e pesquisa: Daniel Rincon Caires


domingo, 16 de janeiro de 2011

Leila Algranti e o espaço doméstico e familiar

Uma forma de entender traços do passado é analisar o espaço doméstico. O texto abaixo apresenta um resumo do estudo de Leila Algranti sobre o tema, feito através da leitura de inventários, plantas baixas, relatos de viajantes, escritos de cronistas, ilustrações e outras fontes. Trata-se de um estudo elucidativo sobre as implicações materiais nos padrões de sociabilidade e privacidade na América portuguesa dos primeiros séculos de colonização.
MORADA
A morada, espaço que oferece abrigo e onde se desenrolam as diversas atividades do cotidiano, é um vestígio valioso para se entreolhar os aspectos familiares, sociais, afetivos, de trabalho e de relação entre os gêneros. É um elemento que oferece pistas e evidências importantes para o historiador. “É [...]no domicílio que encontramos os colonos interagindo com o meio natural, inovando nas formas de subsistência e vivenciando seus laços afetivos”
A moradia colonial aparece em relatos de cronistas e viajantes, tanto escritos como iconográficos, e em inventários e testamentos. A forma de construção, os materiais empregados, a disposição e o tamanho das moradas eram heterogêneos, variando regionalmente e também em função do locus social do habitante.
Nos primeiros séculos, as moradias eram simples, geralmente com apenas um andar, feitas com materiais locais (barro, madeira, pedras, fibras vegetais, etc). Eram construções homogêneas. Esse estilo perdurou longos século: John Luccock registrou, ainda no século XIX, a permanência desses tipos de construção. No âmbito urbano, ainda que restassem influências indígenas e se vissem adaptações dos colonos às condições da terra, predominava o estilo português.
ÁREAS CIRCUNDANTES (varandas, quintais, hortas, anexos, etc.)
Em todos os casos, a moradia extrapolava a área construída, arregimentando os arredores em quintais, pomares, hortas e outros anexos, delimitados por muros baixos. Nesse espaço circunscritivo conviviam os animais domésticos, a pequena indústria doméstica, a produção da subsistência. A agricultura agroexportadora, indiferente às demandas da comunidade local, tornava hortas e pomares essenciais para a complementação alimentar dos colonos. Do mesmo modo, a ausência de médicos e farmácias impunha a esses espaços a função de produtores de ervas medicinais. Além disso, a área externa dos domicílios, geralmente a que ficava na parte posterior, abrigava a cozinha e a senzala. Havia ainda os anexos que continham monjolo, moenda, casa de farinha e depósitos de alimentos. Muitos habitantes da casa, especialmente as mulheres, passavam a maior parte de seu tempo neste espaço.
Apesar de cercados, os quintais não estavam a salvo dos olhares dos vizinhos; eram o local de abrigo a viajantes, num período em que a precariedade das estruturas de estalagem tornavam a hospitalidade uma virtude obrigatória. Muitas eram as casas que possuíam um quarto na varanda fronteiriça, sem ligação com o restante do domicílio, com o fito de abrigar mas isolar o estrangeiro. A casa era voltada para dentro; o grande calor obrigava as pessoas a passarem a maior parte do dia nas áreas externas, que concentravam a maior parte das atividades. Os mais ricos chegavam a construir refeitórios nas varandas.
ACOMODAÇÕES PARA OS ESCRAVOS
Nas casas mais simples, não havia local reservado especificamente para abrigar os escravos: eles dormiam em esteiras sobre o chão, geralmente na cozinha. Nos sobrados, eles eram  instalados ao rés-do-chão  ou em subsolos;  em alguns casos, nos sótãos. Nas fazendas em que o número de escravos era grande havia obrigatoriamente uma construção para abrigá-los, compostas de maneiras diversas.
JARDINS
Raros até o século XIX. Espaço dúbio, que poderia ser tanto um refúgio para se obter a privacidade, num contexto de constante observação externa e interna, como também poderiam ser um “cativeiro” para as mulheres, um local de vigilância e supervisão.
GELOSIAS E RÓTULAS
Permitiam o arejamento e poupavam os habitantes dos olhares da rua. Esses elementos foram sempre interpretados como provas do confinamento feminino. Algranti oferece outra interpretação, sugerindo que queriam antes esconder a simplicidade e a rusticidade dos interiores. Seu desaparecimento, precipitado pelas normas de banimento impostas quando da chegada da corte ao Brasil (que as considerava demasiadamente orientais), coincidiu com um momento de maior preocupação com a aparência do interior dos imóveis. Um indício disto é o fato de que as rótulas desapareceram por último nas casas menos nobres.
DIVISÕES INTERNAS
Problemas: não está bem elucidada a função de alguns compartimentos nas casas abastadas, e nas mais pobres os cômodos acumulavam superposição de funções, dada sua exiguidade de número. Nas casas mais simples, havia um ou dois cômodos onde se dormia, cozinhava, e às vezes se desenvolvia algum pequeno ofício. Nas casas mais abastadas, os compartimentos eram enfileirados; na frente, uma sala com janela para a rua. Os demais cômodos podiam ser acessados por um corredor; havia o hábito de se construir alcovas (compartimentos sem janelas), que assim o eram por conta da impossibilidade de abrir janelas, uma vez que estavam contingenciadas pelos imóveis vizinhos. Nos fundos, a cozinha, o alpendre, o quintal. Era um padrão repetitivo.
Nos sobrados havia o cuidado de separar as atividades por andar, de maneira a preservar a privacidade da família. No primeiro piso, geralmente se instalavam as atividades econômicas, comércios, oficinas, escritório. O segundo piso abrigava o espaço familiar reservado, os quartos e salas. As cozinhas ficavam nos fundos.
COZINHAS
Na Europa, as cozinhas eram trazidas para dentro dos domicílios, e o fogo era lugar de reunião da família. No Brasil, mesmo na região sul, mais fria, a cozinha foi desde o início afastada da casa. Para Algranti, isso se deve a um esforço para segregar os escravos do resto da casa, uma vez que a cozinha era um de seus domínios. Com o passar do tempo, a proximidade do fim da escravidão impôs a anexação da cozinha ao corpo principal da casa, em nome da praticidade. A cozinha foi lentamente se interiorizando, primeiro subdividindo-se em duas (a suja – externa e a limpa – interna), e depois sendo definitivamente incorporada à casa. Além disso, novos padrões de sociabilidade transformaram as refeições em momento importante de reunião familiar.
CAPELAS
De início autônomas, situadas num cômodo exclusivo no interior da morada e até mesmo fora dela, a capela foi migrando para o oratório portátil, o que sugere reforço individualismo e apego à privacidade.
ÁGUA
Nas casas em que não havia poços ou cisternas, o abastecimento era  feito em rios, fontes e chafarizes públicos. Como os encarregados por essa tarefa eram os escravos, a privacidade da família que morasse em casa sem fonte própria de água era prejudicada, uma vez que os cativos iam buscar água e levavam informações íntimas da casa, que eram circuladas para os outros que encontrassem nas fontes e chafarizes...
No fim do século XVIII e início do XIX surgem no Brasil novos padrões de sociabilidade e de comportamento doméstico. Nessa época o ímpeto móvel se reduz, as cidades crescem. Ascende a preocupação com a intimidade, com a privacidade, e isso se traduz nos objetos do cotidiano e nas formas e usos das construções.

ALGRANTI, Leila Mezan. Famílias e Vida Doméstica. In: SOUZA, Laura de Melo e (Org.) História da Vida Privada no Brasil - vol 1. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. pp. 83-154
Imagem: Walter, Heidimar e Maria José Guimarães, década de 1930 - Acervo Fotográfico do Museu Casa Histórica de Alcântara.
Pesquisa e texto: Daniel Rincon Caires

sábado, 15 de janeiro de 2011

Acervo Fotográfico - Casamento de Felipe Camarão

O cenário desta foto é a varanda de um dos casarões que compõe o conjunto de sobrados construídos por ordem do Comendador José Maria Correia de Souza, provavelmente, a julgar pelos pilares, o terceiro deles, que hoje abriga o Fórum e um dos Cartórios da cidade de Alcântara.O evento registrado é a festa de casamento de Felipe Camarão, amigo e afilhado de Antonino da Silva Guimarães, ocorrida na primeira década do século XX. A imagem e as informações foram cedidas por Heidimar Guimarães Marques ao acervo da instituição. (DRC)